sábado, 9 de janeiro de 2010



Nas águas negras do rio 
Bate o luar de Janeiro: 
Nascem luzinhas na água, 
Num ferver de formigueiro. 


Nascem nas águas montinhos 
Do pó d'oiro, luzidio, 
Como se um caruncho d'oiro 
Tivesse dado no rio. 


Parece que um anjo doido, 
Sobre a água pasmadinha,
Anda a esfolhar os diamantes
Da c'roa duma rainha.


Tal ferver de luz acorda
As aves adormecidas,
Que, despertando, supõem
Voltar d'outras altas vidas.


De ramo em ramo saltando,
Uma à outra se interpela:
- "Que fogo incendeia o rio?"
- "Que forja será aquela?"


Volve um tordo rechonchudo
Para os outros passarinhos:
- "Caiu do céu uma estrela,
"E partiu-se aos bocadinhos..."


- "Mentes, tordo!" um pardal diz
Com real severidade:
"Tu dormias, nada viste, 
"Eu é que sei a verdade.


"Eu, que tenho o sono leve,
"Acordei há meia hora, 
"Vendo com olhos de espanto
"A Virgem Nossa Senhora.


"Nossa Senhora viera,
"Por trilhos de benta luz,
"Fazer compras para a ceia
"De São José e Jesus;


"Mas ao voltar ao presépio, 
"Por sobre as águas do rio,
"Apesar de Mãe de Deus,
"Escorregou e... caiu!


"Um braço erguendo na queda,
"Salvou a infusa com leite,
"Mas quebrou em mil pedaços
"A outra de loiro azeite.


"É pois azeite entornado
"O oiro que na água luz,
"Chorando por não doirar
"O caldinho de Jesus..."


Eugénio de Castro

Sem comentários:

Enviar um comentário