segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Amo as horas nocturnas do meu ser
em que se me aprofundam os sentidos;
nelas fui eu achar, como em cartas velhíssimas,
já vivida a vida dos meus dias
e como lenda longínqua e superada.
Delas eu aprendi que tenho espaço
para uma segunda vida, vasta e sem tempo.
E por vezes me sinto como a árvore
que, madura e rumorosa, sobre uma campa
realiza o sonho que o menino que foi
(em volta do qual se apertam suas raízes quentes)
perdeu em tristezas e canções.
domingo, 29 de novembro de 2009
Aquele claro sol, que me mostrava
O caminho do Céu mais chão, mais certo,
E com seu novo raio ao longe e ao perto
Toda a sombra mortal m'afugentava,
Deixou a prisão triste, em que cá estava.
Eu fiquei cego e só, co passo incerto,
perdido peregrino no deserto,
A que faltou a guia que o levava.
Assi co esprito triste, o juízo escuro,
Suas santas pisadas vou buscando,
Por vales e por campos e por montes.
Em toda a parte a vejo e a figuro.
Ela me toma a mão, e vai guiando.
E meus olhos a seguem, feitos fontes.
António Ferreira
Naître avec le printemps, mourir avec les roses,
Sur l'aile du Zéphyr nager dans un ciel pur,
Balancé sur le sein des fleurs à peine écloses,
S'enivrer de parfums de lumières et d'azur,
Secouant, jeune encore, la poudre de ses ailes,
Voilà du papillon le destin enchanté!
Il ressemble au désir, qui jamais ne se pose,
Et sans se satisfaire, effleurant toute chose,
Retourne enfin au ciel chercher la volupté!
Alphonse de Lamartine
sábado, 28 de novembro de 2009
Suspendez votre cours:
Laissez-nous savourer les rapides délices
Des plus beaux de nos jours!
Assez de malheureux ici-bas vous implorent,
Coulez, coulez pour eux;
Prenez avec leurs jours les soins qui les dévorent;
Oubliez les heureux.
Mais je demande en vain quelques moments encore,
Le temps m'échappe et fuit;
Je dis à cette nuit: Sois plus lente; et l'aurore
Va dissiper la nuit.
Aimons donc, aimons donc! de l'heure fugitive,
Hâtons-nous, jouissons!
L'homme n'a point de port, le temps n'a point de rive;
Il coule, et nous passons!"
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Apparaît quelquefois aux fenêtres des rêves,
Et va s'illuminant sur de pâles décors
Dans un argentement de lune qui se lève.
Il flotte du divin aux grâces de leur corps,
Leur regard est intense et leur bouche attentive;
Il semble qu'ils aient vu les jardins de la mort
Et que plus rien en eux de réel ne survive.
La furtive douceur de leur avènement
Enjôle nos désirs à leurs vouloirs propices,
Nous pressentons en eux d'impérieux amants
Venus pour nous afin que le sort s'accomplisse;
Ils ont des gestes lents, doux et silencieux,
Notre vie uniment vers leur attente afflue:
Il semble que les corps s'unissent par les yeux
Et que les âmes sont des pages qu'on a lues.
Le mystère s'exalte aux sourdines des voix,
A l'énigme des yeux, au trouble du sourire,
A la grande pitié qui nous vient quelquefois
De leur regard, qui s'imprécise et se retire...
Ce sont des frôlements dont on ne peut guérir,
Où l'on se sent le coeur trop las pour se défendre,
Où l'âme est triste ainsi qu'au moment de mourir;
Ce sont des unions lamentables et tendres...
Et ceux-là resteront, quand le rêve aura fui,
Mystérieusement les élus du mensonge,
Ceux à qui nous aurons, dans le secret des nuits,
Offert nos lèvres d'ombre, ouvert nos bras de songe.
Eu sei
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
por uns termos tão ternos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.
Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os repitam da mesma natureza.
Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, ponte, montanha, flor, corrente,
comigo hão-de chorar de amor enredos.
Mas ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.
domingo, 22 de novembro de 2009
sábado, 21 de novembro de 2009
Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros,
Vibra uma imensa claridade crua.
De cócoras, em linha, os calceteiros,
Com lentidão, terrosos e grosseiros,
Calçam de lado a lado a longa rua.
Como as elevações secaram do relento,
E o descoberto sol abafa e cria!
A frialdade exige o movimento;
E as poças de água, como um chão vidrento,
Reflectem a molhada casaria.
Em pé e perna, dando aos rins que a marcha agita,
Disseminadas, gritam as peixeiras;
Luzem, aquecem na manhã bonita,
Uns barracões de gente pobrezita
E uns quintalórios velhos com parreiras.
Não se ouvem aves; nem o choro duma nora!
Tomam por outra parte os viandantes;
E o ferro e a pedra - que união sonora! -
Retinem alto pelo espaço fora,
Com choques rijos, ásperos, cantantes.
Bom tempo. E os rapagões, morosos, duros, baços,
Cuja coluna nunca se endireita,
Partem penedos; cruzam-se estilhaços.
Pesam enormemente os grossos maços,
Com que outros batem a calçada feita.
A sua barba agreste! A lã dos seus barretes!
Que espessos forros! Numa das regueiras
Acamam-se as japonas, os coletes;
E eles descalçam com os picaretes
Que ferem lume sobre pederneiras.
E neste rude mês, que não consente as flores,
Fundeiam, como esquadra em fria paz,
As árvores despidas. Sóbrias cores!
Mastros, enxárcias, vergas! Valadores
Atiram terra com as largas pás...
Eu julgo-me no Norte, ao frio - o grande agente! -
Carros de mão, que chiam carregados,
Conduzem saibro, vagarosamente;
Vê-se a cidade, mercantil, contente:
Madeiras, águas, multidões, telhados!
Negrejam os quintais, enxuga a alvenaria;
Em arco, sem as nuvens flutuantes,
O céu renova a tinta corredia;
E os charcos brilham tanto, que eu diria
Ter ante mim lagoas de brilhantes!
E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos,
Eu tudo encontro alegremente exacto.
Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.
E tangem-me, excitados, sacudidos,
O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!
Pede-me o corpo inteiro esforços na friagem
De tão lavada e igual temperatura!
Os ares, a caminho, a luz reagem;
Cheira-me a fogo, a sílex, a ferragem;
Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura.
Mal encarado e negro, um pára enquanto eu passo;
Dois assobiam, altas as marretas
Possantes, grossas, temperaturas de aço;
E um gordo, o mestre, com um ar ralaço
E manso, tira o nível das valetas.
Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas!
Que vida tão custosa! Que diabo!
E os cavadores pousam as enxadas,
E cospem nas calosas mãos gretadas,
Para que não lhes escorregue o cabo.
Povo! No pano cru rasgado das camisas
Uma bandeira penso que transluz!
Com ela sofres, bebes, agonizas:
Listrões de vinho lançam-lhe divisas,
E os suspensórios traçam-lhe uma cruz!
(...)
E aos outros eu admiro os dorsos, os costados
Como lajões. Os bons trabalhadores!
Os filhos das lezírias, dos montados.
Os das planícies, altos, aprumados;
Os das montanhas, baixos, trepadores!
(...)
Cesário Verde
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos cânticos.
A tua cor sadia, o teu sorriso terno;…
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de inverno.
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
Eu não sei que mudança a minha alma pressente…
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,
Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?
Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,
Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: "Eu sou a morte!"
Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"
Antero de Quental
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!
Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!
Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás-de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!
E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás-de encontrar ainda...
Florbela Espanca